Na Missa

— Oremos! Naquele tempo, após subir um pequeno monte, disse Jesus… — começa PE. Bento a leitura do evangelho para os fiéis da pequena igreja do interior de São Miguel, no Interior do Paraná, no domingo, depois das eleições gerais. PE. Bento não se sente muito bem. Acordara muito cedo, pelas quatro horas, e não consegue mais pegar no sono nem mesmo após tomar um bom copo de leite quente.

— Arre Antônio, — resmunga ao coroinha mais antigo. — Depois dos cinquenta, o sono noturno não é mais o de antes. A gente vai pra cama cedo, acorda pra urinar com gosto de cabo de guarda chuva velho na boca. Volta pra dormir, e quando acorda novamente, o corpo dói como se retornássemos de uma luta livre.

— O senhor vai ficar bem, Padre. — Consola-o o coroinha.

PE. Bento está já há dois anos naquela paróquia. Mora só, em uma pequena casa a duas quadras da igreja, com seu pequeno cão da marca poodle. O bichinho, de tão velho está cego e passa o dia dando com a testa nos móveis. Tadinho. Em casa, nas horas de folga, Bento medita sobre sua atual situação. “Não que eu queira Senhor, a morte do bicho, mas bem que isso não viria mal. E esse pessoal de casa, me esqueceu…? E os doces de cupuaçu, que nunca mais…? — A família sempre manda do Pará algum doce com frutas, mas há muito que os quitutes não vém. — Ano passado foi melhor que esse; pelo menos mamãe mandou metade de seu décimo terceiro: Que triste vida. — E lembra com um pouco de alegria e esperança das razões que o levaram a escolher o sacerdócio. — O que estou fazendo aqui? Porque não estou dando aulas em Belém. Tá certo, eu bem que tinha minhas convicções pela igreja, pelo sacerdócio. Mamãe também é culpada; dizia que não existe melhor vida que a de padre. As festas, as boas amizades e, e…, nem é bom lembrar a outra razão, a mais forte. Além da fé, claro”.

Após a leitura, PE. Bento passa à homilia. — Caríssimos irmãos… — quase já ao final, versa o pároco sobre a humilde e boa acolhida que devemos aos nossos irmãos em Cristo, os imigrantes, mas particularmente aos conterrâneos latino-americanos Venezuelanos, a quem devemos… — quando um súdito vocifera da plateia: — Vagabundos! Ordinários! Invasores! Comunistas! Cale-se seu defensor de… — quando dois fiéis interferem sobre a ofensora (é uma mulher), que tem a boca tampada pelas mãos de um deles, e a senhora é posta para fora do templo não sem grande esforço. Soube-se depois que a dita senhora ultimamente andou em rodas vomitando apupos contra o candidato vencedor de domingo…, coisas da política. PE. Bento pediu calma e aconselhou orações aos corações mais exaltados… Após algum silêncio e um copo d’água, que no fundo serviu para desengatar o nó na garganta do combalido padre, este pode finalmente terminar a homilia, e retirar-se para um canto para derramar as lágrimas que a muito custo conteve ante os fiéis.

Antônio Mangas

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